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terça-feira, 19 de julho de 2011

Voto de pobreza ou prosperidade?

Boa parte dos cristãos vivem confusos em relação a algumas práxis religiosas oriundas de interpretações das escrituras. Indivíduos, grupos e instituições defendem pensamentos em textos da bíblia. Enquanto os franciscanos e grupos mendicantes vêem virtudes na pobreza, teólogos da confissão positiva enxergam a prosperidade financeira como bênção de Deus.

Os franciscanos, provavelmente seja a mais importante ordem mendicante da igreja Católica Apostólica Romana. Francisco (1182-1226) da cidade de Assis (Itália), filho de família nobre (seu pai era um rico mercador de tecidos), após uma grave doença, reuniu um grupo de ajudantes para saírem servindo aos doentes e necessitados.

A principal característica dos franciscanos é o voto de pobreza. Ao ler a comissão de Jesus aos seus discípulos (Mt 10, 7-10), entendeu que deveria sair descalço, dormindo no relento e comendo pouco. Tinha que ter autonegação, conforme sua maneira de entender Lucas 9,23. Francisco de Assis contribuiu com a sociedade de sua época e pela missão da Igreja Católica. Constantemente ouvimos o ideal de Francisco de Assis em forma de reza: “é dando que recebemos, é perdoando que somos perdoados e é morrendo que despertamos para a vida”.

O Brasil foi colonizado com a teologia do “voto de pobreza”. Isso ficou tão arraigado na mente das pessoas que muitos ainda hoje, no século XXI, acham que ser pobre é uma grande virtude. Geralmente ouvimos pessoas dizerem de alguém que mudou de posição social: “fez pacto com o diabo”. Não podemos negar a contribuição social de Francisco e atualmente dos franciscanos. Porém, com recursos financeiros poderemos fazer mais pelos pobres.

O Frei Celso Teixeira, em seu artigo intitulado, “São Francisco de Assis e a Opção Pelos Pobres”, chama a atenção para a teologia da libertação, a teologia dos oprimidos. Teixeira diz que os franciscanos devem fazer uma releitura da “opção pelos pobres”. No mundo capitalista a pobreza é um processo, é resultado das injustiças sociais. Diz também que na idade média não tinha ainda a filosofia de Marx. Pena que essa teologia é revolucionária. É mais marxista do que bíblica. Alguns de seus propagadores até justificam atos de violência. Todavia, aplicada com equilíbrio, não deixa de ter o seu valor social.

Talvez a teologia da libertação seja um pouco mais solidária com os pobres do que a teologia da prosperidade. Porém, a teologia da bênção financeira desperta mais sonhos e esperança no indivíduo. Pena que é muito capitalista. Muitas vezes deixa alguém frustrado. Faz reduzir a Bênção de Deus a bens materiais, coisas passageiras. O ser humano tem dificuldades em diferenciar o essencial do supérfluo.

A influência da Teologia da prosperidade nas igrejas não compactuantes com o pensamento é muito obvia. Isso porque a maioria das pregações na televisão é por adeptos dessa teologia. Mesmo em igrejas que a liderança chama para o equilíbrio e o entendimento da Palavra de Deus, seus membros têm mais facilidades em falar de conquistas materiais. Sendo que a maior bênção é a salvação.

O que a Bíblia realmente diz sobre a pobreza e a prosperidade?

Mas os que querem tornar-se ricos caem em tentação e em laço, e em muitas concupiscências loucas e nocivas, as quais submergem os homens na ruína e na perdição. (1Tm 6,9).

Esse texto fala sobre o enriquecimento ilícito. Todos devem amar pessoas em vez de coisas ou dinheiro.

Manda aos ricos deste mundo que não sejam altivos, nem ponham a sua esperança na incerteza das riquezas, mas em Deus, que nos concede abundantemente todas as coisas para delas gozarmos. (1Tm 6,17).

Esse texto deixa claro que podemos ter riquezas, o que não podemos é ser egoístas e arrogantes.

Que pratiquem o bem, que se enriqueçam de boas obras, que sejam liberais e generosos, entesourando para si mesmos um bom fundamento para o futuro, para que possam alcançar a verdadeira vida. (1Tm 6.18,19).

Esse texto orienta sobre a finalidade das riquezas materiais. A pregação do evangelho e a ação social dependem de recursos financeiros.

Jesus disse que não tinha onde reclinar a cabeça. Na sua entrada triunfal em Jerusalém, dependeu de uma jumenta emprestada. Exercia uma profissão simples, era carpinteiro. Não nasceu em um “berço de ouro”, mas numa manjedoura. Toda via, foi sepultado no sepulcro do senador José de Arimatéia. Não censurou a riqueza de Zaqueu. O fato de Jesus ter dado mais atenção aos pobres do que aos ricos não quer dizer que as pessoas não podem ter riquezas. Jesus nunca sugeriu fazer voto de pobreza. Uma ordem numa determinada ocasião para os seus discípulos (Mt 10. 7-10) não quer dizer que em qualquer época da história é um modelo a ser seguido. É um grande erro fazer doutrina de uma narrativa bíblica, até porque não é mandamento. O que se extrai são os princípios. O contexto histórico e imediato deve ser levado em consideração. Só assim será possível entender o que realmente quer dizer. Os versículos anteriores principalmente o 4 e o 5 deixa claro que aquela ordem foi ocasional: “A estes doze enviou Jesus, e ordenou-lhes, dizendo: Não ireis aos gentios, nem entrareis em cidade de samaritanos; mas ide antes às ovelhas perdidas da casa de Israel”. Na ordem para pregar a toda criatura não está incluso a abstinência de alforje ou quaisquer outras provisões (Mc 16.15-18; Mt 28.19-20). Muitos homens de Deus da história eram ricos: Abraão, Jó, e outros.

Também é errado dizer que ser rico é ser abençoado. Até Paulo, o grande apóstolo teve momentos de bonança e de necessidade:

Sei passar falta, e sei também ter abundância; em toda maneira e em todas as coisas estou experimentado, tanto em ter fartura, como em passar fome; tanto em ter abundância, como em padecer necessidade. Posso todas as coisas naquele que me fortalece. (Fl 4. 12,13).

Pena que a Teologia da Confissão Positiva só trabalha com o versículo 13 do texto acima.

O grande avalista inglês do século XVIII, John Wesley, apresentou uma ética equilibrada sobre dinheiro: “Quando ganhar o máximo que puder, economizar o máximo que puder, poderá fazer doações o máximo que puder”. Na pós-modernidade, é preciso pessoas éticas para a ação social e indivíduos com condições de doar.

A essência do Cristianismo é que faz a diferença. Quem faz voto de pobreza e torna-se eremita ainda carece do conhecimento da verdadeira santidade e do amor cristão. É possível fazer a vontade de Deus sem ser preciso isolar-se. Basta viver em comunhão com Cristo e obedecer a sua Palavra do jeito que ela é; amando as pessoas e falando do amor de Jesus. Veja o que Cristo disse no sermão do monte:

Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte; nem os que acendem uma candeia a colocam debaixo do alqueire, mas no velador, e assim ilumina a todos que estão na casa. Assim resplandeça a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras, e glorifiquem a vosso Pai, que está nos céus.( Mt 5. 14-16).

Para ser luz do mundo não precisa ser rico e nem viver uma vida ascética. Basta ter o amor de Deus operando em si.

Apesar das boas obras dos salvos, a salvação é pela obra de Cristo. Foi isso que Paulo explicou aos efésios: “ Porque pela graça sois salvos por meio da fé, e isso não vem de vós, é dom de Deus; não vem das obras, para que ninguém se glorie”. (Ef 2.8,9). Quem é salvo pratica boas obras porque a salvação não é algo só para o futuro, ela é composta do passado e do presente também. No passado foi executada a obra do calvário, Cristo morreu por nós; atualmente, respondemos o apelo pela fé e o Espírito Santo faz a transformação (2Co 5.17); e no futuro, a vida eterna (Jo 14.1-3). Quem tem uma vida transformada vive a essência do cristianismo.

Deus não está interessado em o ser humano ser rico ou pobre. O que ele quer é que as pessoas aceitem o apelo para a salvação. Que sejam transformados. Que vivam em santidade. Que pratiquem o amor. Que obedeçam a sua Palavra.

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